Como é o Toreo de la Vincha, a única tourada da América do Sul
“Atenção aos toureiros que quiserem se candidatar, as inscrições acabam em dez minutos” – disse a voz de uma senhora que saia de um alto-falante e ecoava repetidamente em volume máximo. Na mureta que rodeava a arena, milhares de expectadores aguardavam inquietos pela principal atração do dia. No estacionamento improvisado, centenas de carros, ônibus e vans empoeirados que chegaram exclusivamente para o evento do ano deixaram o lugar parecido com um cemitério de carros no meio das cordilheiras. O sino da igreja parou de tocar, e o silêncio voltou a reinar em Casabindo – povoado com 200 habitantes localizado no norte da Argentina, que recebe todos os dias 15 de agosto o Toreo de la Vincha, a única tourada da América do Sul, que estava prestes a começar.
São vário fatores que geralmente eu considero uma viagem incrível, e essa para Jujuy contou com dois deles: paisagens naturais exuberantes + um festejo importante local, onde podemos ver a crença, a entrega e a real felicidade estampadas nos rostos dos locais que ralam duro para que dê tudo certo. E em Casabindo deu!
Depois de passar três dias entre as montanhas e conhecendo as principais atrações de Jujuy, era hora de conhecer a cereja do bolo, ou melhor, participar da festa mais importante da região de La Puna. O despertador tocou 4h30 da manhã e lá fora fazia um frio miserável de -5C, o que claro, não colaborou muito no despertar, mas era hora de partir, afinal, tínhamos 184 km de estrada de Tilcara até Casabindo.
Chegamos em Casabindo às 8h da manhã, e por ser os únicos “gringos” do Toreo de la Vincha, estávamos chamando mais atenção do que a estátua de um touro furioso na entrada do povoado, que mesmo sendo cedo, já estava ocupado por várias pessoas entre as suas poucas e estreitas ruas. Toda a festa, incluindo a tourada, faz parte da comemoração do dia da Virgen de Asunción, conhecida aqui no Brasil como Nossa Senhora da Assunção, que assim como em Fortaleza, também é padroeira de Casabindo. Então, para dar início as celebrações do dia, todos que por ali já estavam foram convidados a entrar na igreja para assistir a missa, que antecedia outro importante momento do dia, a procissão.
No domingo anterior, as imagens dos padroeiros dos povoados vizinhos foram levadas ao encontro da Virgen de Asunción, em um momento de fé e ao mesmo tempo de festa, já que agosto também é o mês de agradecer a Pachamama pelo que a terra deu de bom ao longo do ano. Os santos ficam na mesma igreja por uma semana, voltando cada um para o seu povoado de origem no dia da festa final. De acordo com a tradição, todos os anos a Virgen de Asunción ganha roupas novas, feitas pelas mãos da zeladora da igreja, ou seja, a pessoa mais velha e sábia da região.
Já vestida com a nova roupa, era hora de começar um dos principais momentos do dia, a procissão. Dezenas de músicos tocavam os seus instrumentos, pessoas dançavam, um rapaz vestido de touro brincava ao “atacar” os visitantes, as imagens dos santos carregadas com fé e alegria foram levadas de volta para a igreja após circular pelas principais ruelas do povoado. Agora, o show iria começar. Antes dos touros, grupos de danças locais se apresentaram nos quatro cantos da praça. A alegria de participar de um evento desses estava na cara de cada um dos dançarinos.
Os toureiros inscritos foram apresentados, e a praça, que se transformou em arena, estava toda em silêncio esperando o grito de “vai começar” do locutor. De repente, assim como em comemoração a um gol de final de campeonato, o público entrou em êxtase. O primeiro touro estava dentro da arena!
O TOREO DE LA VINCHA
O Toreo de la Vincha é simbólico! É proibido maltratar os animais. Os toureiros estão ali pagando promessas, agradecendo aos pedidos alcançados e fazendo parte de uma das festas religiosas mais importantes da região. É cultural e muito bonito de ver. Sou total a favor dos animais, faço parte de ONGs da área e luto por algumas causas, e não me senti mal por estar ali.
Sabe aquele arrastado de pata que o touro faz nos filmes? É real! O primeiro touro entrou com cara de bravo, mas demorou para atacar o toureiro. A regra dentro da arena é simples. O touro entra com uma faixa de cor vermelho na cabeça, onde há algumas moedas presas. O objetivo do toureiro em cena é tirar a faixa da cabeça do touro para doar como oferenda para a Virgen de Asunción.
Depois de quase dois minutos o primeiro touro se libertou da faixa e voltou para a área onde a boiada fica reunida. O toureiro, aplaudido, saiu como rei. Que sorte! O segundo toureiro foi apresentado, o portão abriu, e novamente o silêncio imperou. Cadê o touro? Esse próximo, sem muito suspense, chegou chegando! Da forma que colocou as patas na arena já partiu para cima do toureiro jogando-o para o alto, e quando a ajuda chegou o bicho não hesitou e fez um “strike” nos toureiros. Foi bonito de ver! Todos foram a loucura, são vários sentimentos misturados. Pura emoção! Mesmo cansado, o toureiro foi bravo e conseguiu arrancar a faixa da cabeça do touro. Cansado, saiu aplaudido por todos.
Assim se repetiu inúmeras vezes, todas parecidas com as anteriores, nada de mais forte do que o segundo touro que de fato impressionou. Tomas Pacci, de 67 anos, nascido em La Quiaca e toureiro há vários anos, disse quase todas as pessoas que têm os indígenas como os seus ancestrais deveriam participar do Toreo de la Vincha, um evento religioso e que dar ao local a oportunidade de presentear a santa com faixa, como fez Pantaleón Tabarcachi, autoridade máxima de Casabindo na época das conquistas espanholas na região.
Reza a lenda que Tabarcachi foi capturado pelos conquistadores espanhóis e foi levado para a Praça Central, onde o prenderam com três touros e o obrigaram a recuperar a faixa da cabeça de um deles. É também por ele, continuou Pacci, a braveza dos toureiros mostra o que fez o líder indígena… Entrar na arena, tirar a faixa da cabeça do touro e oferecer para a Virgen, prometendo e pedindo dias melhores para o povo de Casabindo.
O Toreo de la Vincha é uma celebração autêntica, que foge de um show turístico. Anote aí, vale a pena conferir!
Obrigado, Casabindo. Obrigado, Pachamama.
+ Veja dicas pra visitar Jujuy e região
+ Mais roteiros pela Argentina
* Átila Ximenes viajou representando o Esse Mundo É Nosso a convite do Visit Argentina e do Turismo de Jujuy.
Quando você reserva com nossos parceiros, encontra os melhores preços e ainda ganha descontos, além de ajudar o nosso trabalho. Nós recebemos uma pequena comissão e você nao paga nada a mais por isso!